Sabes...
Sabes, meu amor, gostaria de poder pintar certos momentos da minha vida.
De os poder fixar na tela para os rever quando quisesse.
De os poder pendurar na parede do quarto sabendo que, embora nem sempre lhes prestasse muita atenção, eles estariam lá para quando precisasse de os saborear novamente.
Sabes, gostaria de poder cristalizar aqueles momentos em que fui realmente feliz, aqueles momentos em que me bastava a tua companhia e o teu suave respirar para que o céu fosse mais céu e o mar fosse mais mar e tudo fosse único e mágico como mágicas e únicas deveriam ser as vidas que se vivem a dois.
Gostaria de ter podido prender as cores do teu peito e a luminosidade dos teus lábios nas pinceladas do meu amor e gostaria que isso tivesse sido o suficiente e o bastante para que esse tempo e esse mover de mãos tivessem sido só nossos.
Mas eu sei que tu sabes, tal como tu sabes que eu sei, que as águas de um rio não passam duas vezes pela mesma ponte.
E que, se por vezes esse rio se faz mar e essa água se faz chuva, é apenas para levar consigo as pinceladas que demos na tela que um dia foi nossa.
Porque tu, meu amor, sabes como eu sei, que quando o mar se faz chuva, o que fica é apenas o que dói e o que dói é, tão só, o sal das lágrimas que um dia chorei por nós.
alexandre monteiro, in Sabor a Sal
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